sábado, 5 de novembro de 2011

KATHAZRINA - A ARQUITETA DOS SONHOS

| |





-O tempo está passando para mim... Essa caverna escura parece não ter saídas. Tenho a sensação que estou nela há dias. Sei que me foi dito que não posso transitar na cidade dos sonhos, até que tudo esteja em equilíbrio... Mas eu sinto que ficar aqui parado é ainda pior, e a minha intuição costuma me levar à verdade de tudo. Eu percebo agora que ter olhos não nos impede a cegueira, não enxergar é mais um estado da alma.




Nesse instante em que falava comigo em pensamentos, a "Agatha", pedra que herdei do grande "Capricórnio Dourado" começou a brilhar. Era como se ela quisesse me mostrar alguma coisa que eu não enxergava naquela total falta de luz... Uma imagem aparecia nela, uma espécie de olho gato me atraia, e eu enconstei a face para olhar mais de perto... Por entre a pedra, a escuridão não existia, eu podia ver a caverna como se a luz do sol adentrasse plenamente o seu interior... Resolvi, então, seguir a minha intuição e encontrar uma saída daquele lugar. Com a "Ágatha" assumindo a função da minha visão, andei por horas. Tinha no peito uma sensação angustiante... Uma premonição de que algo podia estar muito errado, era como se logo mais, eu fosse ter uma suspresa que me traria imensa tristeza.





Eu sabia que um "menino-gente" como eu, não poderia passar tanto tempo na cidade dos sonhos... Que minha presença poderia trazer muita desordem e caos a tudo. Ainda mais que o meu ingresso, desta vez, não se deu de forma tranquila, foi o pesadelo que me fez chegar aqui. Eu precisava voltar para o meu mundo, mas eu sabia que abandonar algo que se ama, sem ter certeza que isso é o mais seguro, pode acarretar numa viagem sem retorno. Eu precisaria ter certeza de que poderia voltar a sonhar, afinal, eu estava crescendo e logo os piores sentimentos do mundo seriam evidentes em mim. Crescer é se contaminar do bem e do mau, e na cidade dos sonhos não há acesso o que é predominantemente feito de maldade.




Eu comecei a ouvir algo passando de forma rápida por cima de mim, tentei visualizar, mas não deu tempo. Seja lá o que aquilo fosse, passava rápido pelas paredes, eu ouvia um ruído que me trazia muitas dúvidas, não podia identificar ao certo do que se tratava. E não há nada mais assustador do que a dúvida no escuro. Alias a dúvida é irmã da escuridão e as suas juntas são curéis para uma alma que não gosta de ter medo. Quando senti um vulto passar atrás de mim, virei abruptamente e ele estava lá... Um grande escorpião, com cor avermelhada e passos lentos. Ele vinha em minha direção e eu recuava com muito medo. O meu medo fez a pedra "Ágatha" se transformar num gato branco que saltou do meu pescoço em minha defesa...




- Calma, menino-gente! - A voz daquele escorpião vinha sem som, era como se ele dominasse os meus pensamentos.



- Você sabe quem eu sou?



- Claro que eu sei... Todo mundo na cidade dos sonhos sabe. Fui eu que criei o seu pesadelo. Eu consigo sentir o seu coração, ainda que esteja no seu mundo de gente. E senti que você tem muitas dúvidas dentro de você... Dormir com dúvidas é deixar a porta aberta para os pesadelos entrarem.



- Eu não queria sentir isso...



- Eu sei, ninguém escolhe a dúvida, ela é implantada. Mas fique tranquilo, eu te trouxe aqui para que você retire-a de dentro de você. Pode recolher o seu gato.


Quando eu confiei na palavra dele, o gato voltou ao meu pescoço e se transformou novamente na "Ágatha". E eu logo quis saber:



- Como você pode fazer isso?



- Eu posso te picar, e logo não haverá mais nada que incomode o seu coração. Eu te farei esquecer o que te aflige.



- Mas esquecer não garante que a dúvida ainda não esteja lá, não é mesmo?



- Não garante, mas ameniza... E tem a vantagem de que eu te mandarei de volta para o seu mundo, num sono tranquilo.



- Não quero esquecer o que me aflige, eu quero respostas. Somente a verdade acaba com a dúvida.



- E qual a verdade que você quer?



- Depois que eu crescer, poderei voltar a cidade dos sonhos?



- Sonhar não é tão simples como se pensa... Ainda mais para quem cresce...



- Qual a resposta?



- Seria preciso que construísse uma morada segura nos sonhos, onde nenhum sentimento ruim tivesse voz, com paredes impenetráveis... Mas essa casa tem que ser erguida ainda com o coração puro.



- E como eu posso construir?

- Para quê ficar por aqui? Você não pode abandonar a sua natureza de gente...

- Um escorpião pode abandonar a sua natureza de escorpião?

- Natureza é natureza...

- Se é natureza, então, é adaptável.

- Escuta, menino-gente... Eu posso te encaminhar para alguém que vai te ajudar a construir o que precisa, porém, tem que confiar em mim. Você confia? Terei que picar você e o meu veneno te levará a outro estágio do sono, lá estará quem pode te ajudar.

- Você seria capaz de me machucar?

- Não há mudança sem dor, menino.

- Eu vou entregar meu coração e acreditar em você... Mesmo que eu esteja sendo engando, saberei que a minha parte eu fiz.

A mim só restava confiar... Eu ainda depositava crenças na natureza das criaturas, apesar de muitas vezes perceber que as criaturas não acreditam em suas próprias naturezas. Eu pensava que aquele escorpião entenderia a importância das minhas dúvidas e que respeitaria o meu desejo de permacer sonhando, ainda que o tempo tentasse destruir essa possibilidade. Fechei os olhos, ele aproximou de mim o seu ferrão e disse:




- A dose total do meu veneno poderia te levar para uma dimensão sem retorno, um lugar que o sonho é a ilusão do próprio sonho. Mas eu vou colocar no seu pequeno corpo uma pequena fração do meu veneno... O suficiente para que o seu insconsciente não sofra danos nessa transição de universos paralelos. Você não pode estar de olhos abertos quando estiver fazendo a sua passagem. O que vou depositar no seu sangue retirará a sua curiosidade humana, os seus pensamentos serão suspensos por alguns "segundos-horas". Te levarei a um estágio onde sonho e pesadelo encontram o equilíbrio fundamental para quem quer fixar algo no infinito. Preparado?


- Eu nunca estarei preparado... Mas pode fazer o que é preciso.


Nesse instante eu fechei os olhos e senti uma picada no centro da minha cabeça. A última sensação que tive, foi a do meu corpo caindo sobre aquele escorpião.


(VAZIO)


Quando recobrei a consciência estava no meio do mar, mas era um mar de águas brancas. Eu flutuava nas costas do escorpião, tinha o corpo molhado e a sensação de ter dormido por horas sem interrupção.


- Eu não sabia que escorpiões resistiam a àgua.


- Esse é o nosso elemento maior. Eu preciso que você saiba de uma coisa... A partir do momento que piquei você, passou a circular em suas veias o ciúme, ainda em doses mínimas. O crescimento desse mau que depositei em você, vai depender da capacidade de domínio do seu olhar... Se o ciúme se tornar maior do que a sua capacidade de amar, tudo na cidade dos sonhos se fechará para você. Um sentimento como esse, infiltrado no corpo de um "menino-gente", pode inclusive fazer toda a 2cidade dos sonhos" desaparecer.


- Por que não me disse isso antes?


- Eu não posso revelar todas as minhas limitações, infelizmente, o bem que eu possa fazer sempre virá com um pequeno mal aprisionado nele. Eu fui enviado por Apolo para matar Órion, por ciúmes da relação deste com sua irmã Ártemis. Por isso, o ciúme ainda hoje afasta as estrelas do céu, talvez, você que partilha agora comigo desse sentimento, consiga o perdão das constelações para mim.


- Não sei como cativar estrelas, mas o farei quando o céu se aproximar de mim.


- Na praia encontrará as respostas que precisa. Eu tenho que voltar para a escuridão.


E assim voltou para as profundezas daquele mar branco. E eu percebi que aquela água tinha a superfície tão rija que era possível andar sobre ela, uma película branca que me lembrava nata de leite. Ela suportava o meu peso, assim, fui até a praia. Tudo era alvo: as árvores, o horizontes, a luz que surgia por entre as nuvens... Logo vi passar um pequeno homem branco, carregando uma pedra de tamanho irreal para as medidas do seu corpo.


- Com licença...


- Colecionador de pedras, é isso que sou. Você deve ser o menino com olhos de poema, acertei?


- É o que dizem... Como sabe?


- Pela pedra que tens no pescoço. A "Ágatha" só poderia ser entregue a ele. Todos sabem disso.


- Todos sabem? Como pode ser?


- A cidade dos sonhos não é como a vida no seu mundo, as coisas que acontecem por aqui já foram escritas. Apesar de vocês "homens-gente" acreditarem no destino, não há livro onde se possa ler o que já foi traçado. Aqui na dimensão do sonho, tudo o que vai acontecer já está preso no "Livro Maior".


- Quer dizer que se eu tiver acesso a esse "livro Maior", poderei saber se permanecerei por aqui quando crescer?


- Possivelmente. Mas o acesso ao livro só é permitido a quem tem morada definitiva nos sonhos.


- É por isso que estou aqui, preciso encontrar uma forma de construir essa morada.


- Procure Kathazrina, "Arquiteta dos Sonhos"... É ela quem transformar pedras em "sonho-realidade".


- Onde a encontro?


- Siga a praia... Vai encontrar. Kathazrina adora o mar, tanto que construiu o seu mundo particular à margem das águas.


- Antes que eu prossiga, posso fazer uma pergunta?


- Sim.


- Como consegue levar uma pedra tão pesada como se ela fosse feita de ar?


- A gente aprende a dominar o peso das coisas, menino. De tanto carregar pesares, aquilo que parece impossível se transforma... Tá vendo essa pequena pedra? Segure-a.


Eu a segurei. A pedra que cabia na palma da minha mão, me fez tombar, como se tivesse dezenas de quilos. O "Colecionador de Pedras" retirou-a de mim antes que ela me esmagasse os dedos, ele sorria da minha fraqueza.


- Desculpa o meu riso, é que acho engraçado a fraqueza, pensei que sendo "homem-gente" fosse mais forte. Percebe? Peso é tão relativo quanto a forma. Eu comecei carregando pequenas pedras e as achava impossíveis... Hoje me encantam as coisas mais duras, as mais pesadas... Elas fazem uma pequena pedra ser insignificante. Apresse-se! Se o sol se esconder não encontrará mais a "Arquiteta dos Sonhos" à margem da praia.


Precipitei-me à partir.


- Só mais uma coisa... Saiba que o mar lapida as pedras, e o mar é feito de água apenas... Use a sabedoria do mar se quiser transformar as pedras. Sabe o motivo de eu colecioná-las? As pedras sabem mais sobre o tempo, sobre a resistência... Cada pedra tem um segredo a revelar, elas resistem ao tempo físico, ao tempo imaterial, ao tempo fantasia... Eu quero aprender com as pedras o segredo para fazer as coisas durarem para sempre.


E assim colocou sobre os ombros a sua enorme pedra e partiu. Eu prossegui ao longo da praia branca. Parecia difícil encontrar naquela paisagem de ausência, algum contraste que me desse indício de estar diante do que eu procurava. O meu pensamento estava totalmente errado. Ao longe eu via vultos coloridos que me lembravam a aurora boreal, quando me aproximei, percebi que o fenômeno de rara beleza era outro. Não era a aurora e sim a aura de uma bela mulher, que se desprendia do corpo enquanto ela dançava feliz na areia branca. Os movimentos que realizava esculpiam desenhos no espaço, era como se conseguisse reger as cores. Ela ia construindo matéria com as colorações luminosas que emanava, e em pouco tempo onde não havia nada, ela fez emergir uma torre. Eu não me contive e aplaudi o monumento que se ergueu do invisível.


- Obrigada.


Disse com uma voz meiga, tão doce que mais parecia vir de uma menina da minha idade... Mas eu via que aquela beleza, feita de cores que não foram descobertas ainda, era de uma mulher. Eu não podia conter o deslumbramento diante de uma essência tão completa e inacreditável.


- Desculpa... Eu não gosto de interromper a espontaneidade de ninguém.


- Não se preocupe, o mar impede qua a minha inspiração se esgote. E o que eu estou construindo agora é para apreciar o por-do-sol. Do alto é ainda mais emocionante se despedir do dia.


Eu fiquei mudo. Havia algo na aura dela que era muito intimidador, era como se olhando para ela, eu me visse refletido num espelho. Ela era eu fora de mim, só que muito mais colorido. Percebendo a minha falta de jeito, perguntou:


- O que procura?


- Você. É a "Arquiteta dos Sonhos", não é?


- Prefiro que me chame pelo nome, Kathazrina e não pelo que faço. O que faço é consequência do que sou e o que sou independe...


- Eu sou...


- Eu sei quem você é. A gente reconhece os amigos, não é assim que dizem os que sentem poesia?


- Isso.


- Não pensei que fosse te ver tão cedo.


- É que as minhas inquietações chegaram muito rápido, tenho uma alma precoce... Desde que comecei a reconhecer o mundo que não paro um segundo de querer respostas.


- E que resposta eu posso te dar?


- Não quero que me dê... Quero que construa. Preciso permanecer na cidade dos sonhos, ainda que o tempo passe. Estou crescendo e longe daqui, talvez, eu não consiga sobreviver.


- Eu entendo a sua aflição, consigo captar as cores das suas várias dúvidas. Mas não se constrói casa segura em lugar algum, mesmo nos sonhos, sobre dúvidas. O seu alicerce deve ser outro.


- Você pode construir para mim?


- Posso. Farei isso com uma satisfação sem preço, porém, só posso construir quando você encontrar todos os materias que precisa para que a sua morada se erga. Eles devem ser trazidos por você.


- Eu não entendo...


- Você só traz aí dentro o desejo, a dúvida e eu vejo até um ciúme com potencial destrutivo. Não são o suficiente... Sei que existe muito amor e poesia aí também, mas preciso que os materialize, que os transforme em pedras. E as pedras eu transformarei em sonhos, no seu maior sonho.


- E como posso fazer isso?


- A "Ágatha" que traz no seu peito já é a materialização da coragem. Eu poderia construir com essa coragem as portas da sua casa, mas e o resto? Aproveite que tem a coragem aí no peito e siga em busca das outras pedras. Saia em busca de substituir tudo o que trouxe aí dentro e não serve, pelas coisas que realmente importam.


Com um movimento de mão, ela fez surgir uma pedra branca.


- Toma... Essa pedra é a minha colaboração nessa construção, te dou como presente. "O coração de Paloma", é a pedra que vai manter a paz sempre ao seu alcance. Com as duas pedras que agora tem: a coragem e a paz, tenho certeza que logo me trará pronta a sua permanência na dimensão dos sonhos.


- E se eu não conseguir?


- Viu quanta dúvida existe em sua alma? Apenas vá... Vá... (PAUSA) O sol está indo embora, e eu preciso me despedir dele e partir. Você acha que o sol tem dúvidas?


- Acho que não, se as tivesse ele não voltaria no dia seguinte.



- Então... Apenas vá... A praia é sempre a melhor forma de encontrar as respostas.


E assim, subiu na torre. Eu prossegui olhando os meus passos se firmarem na areia. Mesmo distante ainda avistava a Torre erguida pela "Arquiteta dos Sonhos"... Ela estava debruçada lá em cima, apreciando o sol partir. Kathazrina era um ponto de vida no meio de uma imensidão sem cor.






....................................................................................................................................................................







Uma homenagem singela à minha CATARINA ANDRADE. Mulher linda, no sentido mais completo que a beleza possui. Sei o quando a praia possui poesia para você, por isso, o seu lugar na minha poesia não poderia ser outro. BJO!!!!!!!!!!























































-























0 comentários:

Ir arriba

Postar um comentário

Contador de visitas

Seguir

Inscreva-se

Coloque seu email aqui e receba as postagens desse blog:

Você vai receber um e-mail de confirmação

PostagensHaz click para ver Archivo

Nº de visitas

Contador de visitas
 
 

Diseñado por: Compartidísimo
Con imágenes de: Scrappingmar©

 
Ir Arriba