domingo, 28 de junho de 2015

EXPATRIADA ( FICÇÃO INSPIRADA NA CRUEL REALIDADE)

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AMARRADA NUM ESPELHO. ELA TEM O SEXO EXPOSTO.

 - Não adianta cavar meu corpo com essa tua navalha... O que você está tentando matar em mim sempre renascerá!


GRITOS


- O  aço que entra na minha carne não é diferente das palavras que já ouvi todos esses anos, vindas dos meus pais, irmãos, amigos, desconhecidos... Corta de mim o pedaço que quiseres, até aquele que acredita ser a fonte do meu prazer... Seja para dar ou recebê-lo. Faz o que tem que fazer, o sangue que jorra em mim deixará a multidão saciada. Essa violência não começou em tuas mãos, mas talvez ajude a acalmar os leões da intolerância que estão sedentos. Corta aquilo que te incomoda, mas saiba que tudo o que não nasceu comigo, é o que mais me deixa parecida com aquela que nasci para ser.


CHORO PRESO. RISOS NERVOSOS.


- Ainda que me despedace por inteira, que violente essa aparência que te incomoda o coração... Não caberei dentro das suas limitações. Saiba que eu não estou sozinha no mundo, eu estou dentro de tantos outros. E esses outros estão por toda parte, inclusive nos filhos que ainda irão nascer. Quem sabe eu esteja até dentro de você. É a única explicação que vejo para tentar matar o que há em mim... Somente me desfigurando você pode acalmar o pulsar do que há aí dentro, o que habita no seu mais íntimo desejo e que precisa sair, viver, ser livre!


BARULHO DE TAPA



- Se quer que me cale, corta logo a minha língua. De outra forma continuarei falando, até que a morte chegue. Será que você não percebe que não sou eu que te causo essa angústia? Os teus olhos é que foram ensinados a ver um mundo pequeno, cheio de limites, pudores e crenças inúteis!

PAUSA

- Não é eliminando a mim que resolverá os teus problemas, mas eficaz seria arrancar os teus olhos. Assim não haveria mais confusão na tua cabeça ao me olhar... Ao me ver tentando existir.


BARULHO DE AGRESSÃO


- Não te condeno por achar que ferir é a melhor forma de aprisionar. Sei que esses tapas e chutes não são seus, são dos seus pais e dos pais dos seus pais... Espera, pensando bem,  talvez você até esteja fazendo um favor para mim, ao cavar fundo o meu corpo com a tua lâmina. Talvez eu esteja errada e você encontre algo dentro de mim que eu pensei não poder ser encontrado... Tocado por ninguém. Se encontrar a minha alma, por favor, ao menos dela tenta piedade. Já que meu corpo você não tolera. Pega essa alma que foi colocada nessa carcaça que não pertencia a ela e leva para colocar num corpo no qual ela se sinta em casa.

SILÊNCIO

- Eu sempre me senti expatriada, invasora, intrusa de mim mesma. Logo eu que sempre acreditei na justiça, senti diariamente, a sensação cruel de ser uma infratora. Ainda que eu tenha nascido nesse corpo, eu sinto como se  tivesse roubado de alguém.


SILÊNCIO


- Se as pessoas fossem como o espelho, eu sei que seria menos doloroso para mim ter nascido dessa forma. O espelho parece entender os meus esforços para ser generosa com essa aparência que não me pertence.

CHORA

- Não estou chorando por causa da sua violência... Mas por causa da que a vida impôs a mim. Eu pensei que teria tempo de descobrir onde está o corpo que deveria ter sido destinado a mim. Eu sei que ele deve estar por aí, preso a outra alma que também se sente estrangeira.

CANTAROLA UMA MÚSICA

- Ainda bem os corpos são generosos e não nos rejeitam... Eu sei que eu estou violentando uma propriedade que não é minha, mas é minha, mas não deveria ser minha, a minha pode estar em outro!


GRITO DE FÚRIA!

  É irônico isso... Ninguém percebe que a violência que nos impomos já é castigo suficiente. Os corpos fora de nós, ainda assim, nos abominam e querem mutilar.


PAUSA


SILÊNCIO


- Você acredita em carma, essas coisas espirituais? Eu também não, mas às vezes eu penso que esse tipo de prisão deve ter sido dada a homens e mulheres que não souberam tolerar a diferença do outro e para aprender a verdade sobre tudo isso, recebem essa punição em outras vidas.


PAUSA LONGA

- Eu entendi... Chegou a hora.

SOM DE NAVALHA CORTANDO A CARNE

- Faça o que sua natureza precisa fazer... O que eu fiz foi justamente a mesma coisa. Eu estava querendo apenas encontrar a minha liberdade. Eu tinha feito um acordo com o meu corpo emprestado, e estava começando a sentir felicidade... Imagino que seguindo a sua natureza e me eliminado você também está sendo sincero com a sua incapacidade de me aceitar. Eu só espero que quando souberem o que aconteceu comigo e com você, as pessoas se coloquem em nossos lugares... Espero que elas percebam que não é o meu corpo ou o seu que importa... Mas aquilo que nascemos para ser, e isso diz respeito a alma e essa ou navalha nenhuma alcançará. Quem sabe um dia, os teus olhos e os de tantas outras pessoas consigam ver almas e não o sexo que herdamos sem direito de escolha.


GRITO DE DOR PROFUNDA


- Não adianta cavar meu corpo com essa tua navalha... O que você está tentando matar em mim sempre renascerá! Se eu estiver certa em minha teoria sobre o carma, você um dia me entenderá...

SILÊNCIO PERTURBADOR


                                               FIM

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ESSE É UM TEXTO FEITO COM O SIMPLES PROPÓSITO DE FAZER REFLETIR SOBRE O OLHAR. ENQUANTO A INTOLERÂNCIA À DIVERSIDADE PERMANECER VIVA, MUITOS CONTINUARÃO MORRENDO.


                                                            DIGA NÃO A HOMOFOBIA!





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